23.4.10

O que nos move?

É bonito trabalhar em investigacao oncológica. Sim, é bonito. Mais bonito e talvez mais admirável do que trabalhar em investigacao de tintas para automóveis? Talvez. É por isso que gosto do que faco? Nao. E adoro o que faco, adorei o trabalho do doutoramento. Mas por razoes muito mais egoístas, admito, como o desafio intelectual em si. Claro que é essencial acreditar no que se faz, e claro que a pesquisa oncológica me interessa porventura mais do que outros temas. Mas o que é que verdadeiramente me motiva a acordar todas as manhas e vir para o trabalho?

Uma vez tive uma conversa com um amigo sobre isto. Foi na altura em que rebentou a crise financeira e aqui falava-se muito da má situacao da indústria automóvel. Questionavamos o nosso modelo económico baseado no consumo. O meu amigo trabalha no desenvolvimento de tintas para automóveis e achava que o que fazia nao tinha sentido, comparado com a namorada que é educadora de criancas com necessidades especiais. Mas bem vistas as coisas, e deixando de lado reflexoes sobre o desenvolvimento sustentável e o consumismo, facto é que neste sistema podem existir educadoras para criancas com necessidades especiais porque existem carros a serem vendidos e quantos mais carros se venderem melhor. Mas tu ao menos podes ajudar pessoas que estao doentes e isso também é bonito, dizia ele. Nao gosto muito deste tipo de conversa; nao me revejo neste tipo de motivacao.

Tive uma conversa semelhante sobre a ajuda ao desenvolvimento. A ciência também é um mundo de vaidosos, e os mais vaidosos acham sempre que podem salvar o mundo e que salvam vidas e que salvam tudo. Sao uns deuses. No fundo, há muito poucas descobertas fracturantes. A maior parte das pessoas que fazem ciência vivem de pequenas vitórias. Nem sempre as coisas mais mediáticas sao as mais importantes. Tudo muito parecido com a ajuda ao desenvolvimento. E em ciência o conhecimento estabelecido deve ser posto em causa, e isso deveria ensinar os cientistas a praticar, pelo menos de vez em quando, a modéstia, a auto-crítica e a contextualizacao desapaixonada do que fazem.

Apesar das reservas e da auto-crítica, um cientista continuará a fazer ciência enquando acreditar naquilo que faz, assim como alguém que trabalha em projectos sociais de ajuda ao desenvolvimento o fará.

4 comentários:

Anônimo disse...

Sociedades constituidas só de Dr´s, ou cientistas ou educadores ou enfermeiros, não existem. O que faria o grande cientista sem o pedreiro que lhe faça a casa? Existem vários estimulos que nos movem. Sem estarem satisfeitos os primários, não se tem acesso aos segundos e terceiros. Sem dúvida, o conhecimento e a descoberta, são bons estimulos!
Farrica

Anônimo disse...

Temos que tentar sempre ser humildes, o velho mito socrático.
Mas o que nos move, como bem explica o Farrica, é sempre uma vontade geral, que nasce da consciência do respeito que a humanidade deve ter por cada indivíduo em particular.
O que não me impede de sentir um enorme orgulho por ti por estares a fazeres investigação oncológica.
Todos iguais, todos diferents!!!
Beijos
Cachana

leo disse...

É essencial ser humilde e auto-crítico. E fugir a ideias de grandeza, de descobrir cura, de mudar o mundo sozinho. Os cientistas, dos seus pedestais, podem às vezes ser muito vaidosos.

Obrigada aos manos pelas opinioes

luisa disse...

concordo com essa da vontade geral, que parte de uma vontade particular de cada dia contribuir para algo para a humanidade que será sem duvida o ser humano que encontramos à nossa frente.
é bom irmo-nos ajudando a continuar a pensar assim.