A quem vive do outro lado do mundo, expliquei Darmstadt assim:
"uma cidadezinha universitaria alema, com um certo charme, muita vida cultural, onde os verdes ganham as eleicoes, a vida social se faz em casas de uns e de outros onde um amigo novo é sempre bem-vindo e o meio de deslocacao é uma bicicleta em segunda mao comprada na feira da ladra..."
Será que já me ando a despedir?
26.8.09
23.8.09
Feira é revolver trapos
Saio de casa cedo. Gosto da luz oblíqua das manhãs e de ter o dia todo pela frente. Vou de eléctrico até perto do centro e depois ando umas centenas de metros a pé até ao sítio que me indicaram. Como é possível viver aqui há 4 anos e nunca ter ido à feira da ladra que se monta todos os sábados? Procuro uma bicicleta em segunda (ou mais antiga) mao, desde que estampei a minha contra um carro. Nao compro bicicletas novas porque sao sempre más.
A feira tem mais de feira que de ladra. Por momentos transporto-me para a feira do relógio, mas uma feira do relógio mais cool, menos quente, com menos gente e menos cheiro. Pregões! Nao imaginam como é bom ouvir pregões na Alemanha! Bancas com pilhas de trapos a 2 euros, o paraíso! Sinto-me em casa, revolvo as pilhas como só nós as descendentes da minha mãe sabemos fazer e a minha cunhada Paula adora. Discuto com o vendedor que me quer fazer a 3 euros o que estava na pilha de 2. Pensa que eu sou alemã e me calo. E experimentar, posso? Se experimentar é mais um euro, sao 3. diz ele e eu respondo Devia ter perguntado mais cedo, assim levava a 1, sem experimentar. Ele ri-se.
Passeio de mochila às costas pela feira da ladra, refreio-me umas poucas de vezes para nao comprar lixo. Gosto do ambiente. Muitos estrangeiros, bancas de fatos de dança do ventre, de véus e de túnicas para muçulmanas. À saída descubro uma banda de verduras, uma algazarra, tudo a escolher, a pesar, a discutir. Uma matrona italiana com bom aspecto e a sua filha cinquentona discutem discretamente a qualidade da mercadoria e o bom preço. Mães turcas empurram carrinhos de bébés, mas os bébés nao se vêem, estão cobertos de mercadoria: frutas e legumes, tachos em segunda mao dentro de caixas velhas, trapos, um leitor de vídeo também dentro da sua caixa velha, e elas arrastam as túnicas compridas e gritam para os outros miúdos que saltam à sua volta.
A feira tem mais de feira que de ladra. Por momentos transporto-me para a feira do relógio, mas uma feira do relógio mais cool, menos quente, com menos gente e menos cheiro. Pregões! Nao imaginam como é bom ouvir pregões na Alemanha! Bancas com pilhas de trapos a 2 euros, o paraíso! Sinto-me em casa, revolvo as pilhas como só nós as descendentes da minha mãe sabemos fazer e a minha cunhada Paula adora. Discuto com o vendedor que me quer fazer a 3 euros o que estava na pilha de 2. Pensa que eu sou alemã e me calo. E experimentar, posso? Se experimentar é mais um euro, sao 3. diz ele e eu respondo Devia ter perguntado mais cedo, assim levava a 1, sem experimentar. Ele ri-se.
Passeio de mochila às costas pela feira da ladra, refreio-me umas poucas de vezes para nao comprar lixo. Gosto do ambiente. Muitos estrangeiros, bancas de fatos de dança do ventre, de véus e de túnicas para muçulmanas. À saída descubro uma banda de verduras, uma algazarra, tudo a escolher, a pesar, a discutir. Uma matrona italiana com bom aspecto e a sua filha cinquentona discutem discretamente a qualidade da mercadoria e o bom preço. Mães turcas empurram carrinhos de bébés, mas os bébés nao se vêem, estão cobertos de mercadoria: frutas e legumes, tachos em segunda mao dentro de caixas velhas, trapos, um leitor de vídeo também dentro da sua caixa velha, e elas arrastam as túnicas compridas e gritam para os outros miúdos que saltam à sua volta.
21.8.09
Exportacoes portuguesas
A Sonae está a construir um enorme centro comercial a caminho do aeroporto de Frankfurt. Ainda acredito que a moda dos centros comerciais nao vai pegar na Alemanha (há quem diga que já pegou) e que vamos continuar a ter centros de cidade bonitos e com vida.
Imagem tirada de Frankfurter Rundschau.
Imagem tirada de Frankfurter Rundschau.
7.8.09
4.8.09
Impressions of Finland
Far from the world. Green silence. Sauna, swim between water-roses, orange water. Hot body, cold skin, an indescribable sensation. Peace. Go back to the sauna, one more löyly. Sauna conversations that stay in the sauna. The cycle sauna-swim-sauna can last forever.
No tap water. We warm up rainwater in the sauna. The shower implies too much movement for 80°C temperature. It takes away your last anxiety and uneasiness and your last thoughts. Afterwards one just feels in peace with life and the world. We share confidences. We do the first gin tonic of the evening and start preparing dinner: start the grill, prepare the vegetables.
Time does not run - it flows slowly. The endless light hours help that feeling. At 3 in the morning we do a last night walk to the bridge where we can see the unbelievable colours of the dusk in the horizon, reflected on the water. The sky is never completely dark. But we can see stars, even falling ones. And satelites crossing the sky very fast – the only sign that there is a world beyond the forest.
The forest is magical, inhabited by long blond haired translucid fairies. The tree trunks are white and on the ground red fruits grow. We collect them for a pie. I identify references from fairy tales that can only come from this place. I find it curious that I have references I never questioned and now they make sense. Fairies are not portuguese; they have to be nordic.
They all have long blond hair and talk a vocals-full language. They talk with a tough voice, in a low tone, especially women. When we walk back home from the bridge at night, they forget about us and talk finish together. I am next to them and try to become invisible. I don’t want them to stop. I like that music where I cannot give a sense to any sound. It is a lulling mantra. Some things cannot be put into words. From that not understandable mantra I get a hint of finish essence.
No tap water. We warm up rainwater in the sauna. The shower implies too much movement for 80°C temperature. It takes away your last anxiety and uneasiness and your last thoughts. Afterwards one just feels in peace with life and the world. We share confidences. We do the first gin tonic of the evening and start preparing dinner: start the grill, prepare the vegetables.
Time does not run - it flows slowly. The endless light hours help that feeling. At 3 in the morning we do a last night walk to the bridge where we can see the unbelievable colours of the dusk in the horizon, reflected on the water. The sky is never completely dark. But we can see stars, even falling ones. And satelites crossing the sky very fast – the only sign that there is a world beyond the forest.
The forest is magical, inhabited by long blond haired translucid fairies. The tree trunks are white and on the ground red fruits grow. We collect them for a pie. I identify references from fairy tales that can only come from this place. I find it curious that I have references I never questioned and now they make sense. Fairies are not portuguese; they have to be nordic.
They all have long blond hair and talk a vocals-full language. They talk with a tough voice, in a low tone, especially women. When we walk back home from the bridge at night, they forget about us and talk finish together. I am next to them and try to become invisible. I don’t want them to stop. I like that music where I cannot give a sense to any sound. It is a lulling mantra. Some things cannot be put into words. From that not understandable mantra I get a hint of finish essence.
Finlândia - Impressoes
Longe do mundo. Silêncio verde. Sauna, nadar no meio de nenúfares, água cor-de-laranja. Corpo quente, pele fria, uma sensacao indescritível. Paz. Voltar para a sauna. Mais um löyly*. Conversas de sauna ficam na sauna. O ciclo sauna-nadar-sauna pode prolongar-se indefininadamente.
Nao há água corrente. Aquece-se na sauna água da chuva. O duche implica movimento a mais dentro da sauna a 80°C. Acaba com as últimas angústias, as últimas inquietudes, os últimos pensamentos. Depois disso, está-se simplesmente em paz com a vida e com o mundo. Partilha-se confidências. Prepara-se o primeiro gin tónico do serao e comeca a pensar-se no jantar: acender a fogueira dos grelhados, preparar os vegetais.
O tempo nao corre, preguica e escorre devagar. A isso ajudam as intermináveis horas de luz. Às 3 da manha faz-se um passeio nocturno antes de ir dormir. Anda-se por entre a floresta até à ponte, de onde se tem uma vista indiscritível das cores do crepúsculo no horizonte, reflectidas na água. O céu nunca chega a ficar escuro. Mas vêem-se estrelas, até cadentes. E satélites, que cruzam o céu a toda a velocidade. Sao o único sinal desse mundo que existe para lá da floresta.
A floresta é mágica, habitada por fadas translúcidas de longos cabelos loiros. Os troncos das árvores sao brancos e no chao crescem frutos vermelhos que colhemos para uma tarte. Identifico referências dos contos de fadas que só podem vir deste sítio. Acho curioso eu ter referências que nunca questionei e que agora fazem sentido. As fadas nao sao portuguesas, têm que ser nórdicas.
Todas têm longos cabelos loiros e falam uma lingua cheia de vogais. Falam numa voz dura, num tom baixo, principalmente as mulheres. Quando voltamos para casa depois do passeio nocturno, esquecem-se de nós e falam finlandês as três. Eu estou ao lado delas e tento tornar-me invisível. Nao quero que parem. Gosto dessa música onde nao consigo dar nenhum significado. É uma ladainha que me embala. Nem tudo pode ser posto em palavras. Dessa ladainha incompreensível apanho um bocadinho da essência da Finlândia.
*Água que se atira nas pedras da sauna.
Nao há água corrente. Aquece-se na sauna água da chuva. O duche implica movimento a mais dentro da sauna a 80°C. Acaba com as últimas angústias, as últimas inquietudes, os últimos pensamentos. Depois disso, está-se simplesmente em paz com a vida e com o mundo. Partilha-se confidências. Prepara-se o primeiro gin tónico do serao e comeca a pensar-se no jantar: acender a fogueira dos grelhados, preparar os vegetais.
O tempo nao corre, preguica e escorre devagar. A isso ajudam as intermináveis horas de luz. Às 3 da manha faz-se um passeio nocturno antes de ir dormir. Anda-se por entre a floresta até à ponte, de onde se tem uma vista indiscritível das cores do crepúsculo no horizonte, reflectidas na água. O céu nunca chega a ficar escuro. Mas vêem-se estrelas, até cadentes. E satélites, que cruzam o céu a toda a velocidade. Sao o único sinal desse mundo que existe para lá da floresta.
A floresta é mágica, habitada por fadas translúcidas de longos cabelos loiros. Os troncos das árvores sao brancos e no chao crescem frutos vermelhos que colhemos para uma tarte. Identifico referências dos contos de fadas que só podem vir deste sítio. Acho curioso eu ter referências que nunca questionei e que agora fazem sentido. As fadas nao sao portuguesas, têm que ser nórdicas.
Todas têm longos cabelos loiros e falam uma lingua cheia de vogais. Falam numa voz dura, num tom baixo, principalmente as mulheres. Quando voltamos para casa depois do passeio nocturno, esquecem-se de nós e falam finlandês as três. Eu estou ao lado delas e tento tornar-me invisível. Nao quero que parem. Gosto dessa música onde nao consigo dar nenhum significado. É uma ladainha que me embala. Nem tudo pode ser posto em palavras. Dessa ladainha incompreensível apanho um bocadinho da essência da Finlândia.
*Água que se atira nas pedras da sauna.
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