5.3.11

"Uma imensa cancao do despeito"

Excertos de um artigo na Visao (10-Fev-2011) sobre a peca de teatro com o mesmo nome, da Catala Angélica Liddell, que nao vi, infelizmente.

"As palavras estao escritas numa folha a4 e a menina lê-as com a entoacao hesitante de quem aprendeu recentemente a juntar as letras. «Nao ha montanha, nem selva, nem deserto, que nos livre do mal que os outros preparam para nós.» A voz é inocente, as palavras brutais. Dobra o papel e atravessa o palco num aviaozinho cor-de-rosa, com rodas, ao som da cancao mexicana El Corrido de Chihuahua. Está declarado o tom do espectaculo que se segue, La Casa de la Fuerza. (...) Sao uma especie de profecia aquelas palavras, um aviso de que nao é possivel estar tranquilo. A partir dali nao havera mais lugar para o cor-de-rosa, para a inocencia, ou para as cantigas singelas. Durante as cinco horas seguidas, a sala será inundada de dor. Uma dor infinita e insuportavel, vivida por Lidell no fim de uma relacao amorosa, vivida pelas outras actrizes em palco, vivida por todas as mulheres da cidade de Juarez, vivida - afinal- por todas as mulheres do mundo."

mais adiante, Liddell: "Tenho uma inclinacao, nao sei se genética, se por educacao, para que todo o mal me salte a vista. E funciono por indignacao, falo do que me indigna e normalmente sao coisas horriveis. A indignacao permite-me pensar, o odio, o rancor, os ressentimentos permitem-me pensar. Nao pertencemos ao mundo dos santos e, as vezes, precisamos de falar com a voz mais obscura, Para enfrentar os outros que a silenciam. A sociedade funciona por hipocrisia, por pactos sociais em que ocultamos a nossa pior parte. Ao trabalhar com os meus piores sentimentos, falo dos maus sentimentos dos outros. (...) para mim teatro é uma forma de sobrevivência. Faco-o para nao me dar um tiro. Se nao fosse o teatro e a possibilidade de expressar os meus sentimentos de todas as maneiras possiveis, creio que nao estaria viva. Sinceramente. Nao poderia suporta-lo. Nao me cura, nao sana a incapacidade de enfrentar o mundo, mas permite-me suportá-lo. Para mim a vida é uma sobrevivencia continua."

E agora a parte mais bonita, Liddell: "A beleza é uma forma de justica, quando ja nao existe justica possivel, é uma forma de alívio, quando já nada no mundo te alivia."

Isto é um grito contra a sociedade happy-go-lucky, porque o feio, o mau, o desespero, o medo, a dor, os "maus sentimentos" como Liddell lhes chama, fazem parte da vida. E aceitá-los é libertador. É uma forma de respeito.

E pensando no que me ajuda a mim a suportar. Sao as pessoas que amo e o sentimento de estar em casa quando estou com essas pessoas. E ocasionalmente uma ou outra pequena surpresa que me faz pensar que tudo o que doeu até aquele momento valeu a pena para poder viver aquilo. Esses sao momentos de reconciliacao.

Um comentário:

Jônatas disse...

legal o post
jonatasteixeira.zip.net