20.12.11

Quatro assoalhadas II

Diz que a máquina da loica cabe sim senhor, diz que se resolve tirando o lava-loica antigo para a cave, e se a senhoria tiver muita estima nele, volta-se a pendurar depois. Diz que os pombos também se resolvem, mas disso eu nao tinha dúvidas, é só uma questao de persistência. E a senhoria parece que gostou de saber dos nossos empregos e dos nossos títulos académicos (os alemaes sao loucos por eles, até poem nas campaínhas das portas). Escrevemos um mail muito polido, muito pretensioso, a gabar-nos dos nossos trabalhos, com os títulos no fim, e tudo, e tudo. Um bocadinho prostituicao, sim, mas que é que me rala, dou-lhe a cantiga que ela quiser ouvir. É saber-viver.

Neve

A árvore enorme em frente à nossa janela, mais alta que as nossas águas furtadas, estava toda branca quando acordámos. Lindo. Vamos ter saudades da árvore.

18.12.11

Quatro assoalhadas

O que poderia ser a nossa casa nova sao 4 assoalhadas (já nao devia usar esta palavra há mais de 10 anos), chao em tábuas largas de madeira, tectos altos, janelas grandes e portas antigas. A escada do prédio é a mais bonita que já vi em Darmstadt, quase tao bonita como a da Rodrigo da Fonseca (só quase). Dois pormenores com interesse turístico, a retrete alemä e um duche franquefurtense. A primeira é uma retrete desenhada de maneira que tem uma plataforma quase horizontal onde cai o cócó antes de ser empurrado para baixo pela descarga do autoclismo. Nao sou fä, apesar da vantagem de facilitar uma observacao do dito, em jeito de controlo de qualidade e despiste de distúrbios digestivo-intestinais, e de - mais interessante - evitar o odioso respingo.O duche franquefurtense nao tem em si nada de tao especial como esta retrete, aparte o detalhe de se situar na cozinha. É normalmente num canto recatado - valha-nos isso - e pode ter ou nao porta (este nao tinha). Pior e mais sério que estes dois detalhes curiosos é nao haver na cozinha espaco para a nossa máquina da loica. Ah isso, venham-me com os chaos em madeira e os tectos altos que quiserem, até me podem mostrar um lava-loicas antigo que seria uma pena deitar fora que eu nao me compadeco. Esta vai ser a nossa condicao, ou entramos com a máquina-da-loica, ou nao entramos de todo. E até estaria disposta a esquecer ou a adiar outros dois problemas: os pombos que vivem por cima da entrada da porta do prédio, nada de mais nojento - e se um dia me cagam em cima? - e o vizinho que vive no rés-do-chao e diz que o páteo é só dele, embora a actual inquilina duvide que esteja assim estipulado. Um páteo tao simpático com uma grande mesa, já estou a ver os grelhados que se podem fazer ali. E os pombos nem pensar, nao descansaria enquanto nao os espantasse dali a bem ou a mal.

15.12.11

Redondos

Estou a ler "O filho de mil homens" de Valter Hugo Mae e, eu que que normalmente gosto da exuberância dos detalhes e de descricoes exaustivas de sentimentos e momentos, estou presa na falta de detalhes excessivos, na reducao ao essencial, na pureza. Lindo!

Tenho cada vez mais redondos. E gosto deles. A fertilidade é uma dádiva muito doce e gulosa.

1.12.11

Sobrinhos

Qual foto para a moldura do Tiaguinho?

Esta está mais "cool", e estao todos banitos.

Aqui com noiva, mas sem pés. Com noivo nao tenho nenhuma onde estejam todos.


Quem tem mais alternativas?

28.11.11

Alemanhas

Na Alemanha de Leste há espaços no meio das cidades em que a erva ainda pode crescer. Entre prédios e canais, espacos onde caberiam quarteiroes inteiros sao deixados em paz, rodeados de arame e deixados em paz. É possível passear sozinho no parque, ao longo do canal, por ruas intermináveis. E há prédios e casas onde vive gente que se aquece com carvao, e que tem que sair do apartamento para ir à retrete. Há casas sem telhado, prédios inteiros fechados, tapumados e grafitados. E antigas fábricas vazias onde artistas sao tolerados. Fábricas de tijolo encarnado, porta aberta, entra-se por ali adentro, corredores e corredores vazios, e janelas altas com vista sobre a cidade. E silêncio. Ninguém ali.

A perfeicao aparente cansa. Há dias em que nao a vejo, outros em que a sinto sofucante. Os prédios perfeitamente recuperados de acordo com regras energéticas, a relva sempre aparada, as árvores sempre podadas, os carros todos novos, o chao imaculado, tudo no seu lugar e uma cerca à volta. E tanta gente a viver junta, nao se pode dar um passeio sem encontrar gente que passeia com roupa de passeio porque essa é a roupa correcta para passear. E as urbanizacoes modernas, casas em fila, todas com a relva aparada, um trampolim e uma cabaninha de jardim. A ver quem tem o jardim mais estéril. E os ciclistas também com a roupa correcta e o capacete que me abordam se vou no outro lado da estrada, ou em cima do passeio, ou sem luz, ou se alguma outra coisa na sua opiniao foge à regra. E os que comentam o facto de se atravessar a estrada quando o sinal dos peoes está vermelho, o típico "que lindo exemplo está a dar aos meus filhos". Esta mania irresistível do controlo cívico. E eu a pensar, coitadinhas das criancas, em casa só têm bons exemplos, os maus é como se nao existissem.

Na Alemanha de Leste, nos chamados Novos Estados, há duas coisas reconfortantes: o espaço e a decadência.

6.8.11

sábado de sol

Sábado de sol, dia de concerto, a Jojo faz trinta anos. Contrato para os próximos dois anos. Pequeno almoco a ouvir um concerto genial da Amy Whinehouse na antena 3. A vida sorri.

Procuro o meu espaco, as minhas referências e o meu estilo no trabalho. As referências vou buscá-las a sítios muito diferentes... uns muito antigos, nunca me esqueco de quem sou, acho que isso ajuda muito a relativizar para manter a dignidade. Mas sou plástica, já percebi isso, o que é uma grande vantagem muitas vezes. Ajuda a meter-me no lugar do outro, a perceber o que ele quer de mim. Por vezes tenho que voltar a mim, para nao correr o perigo de me esquecer do que eu quero de mim. Apesar das muitas horas de trabalho, dá um gozo enorme.

26.5.11

Delírio

Sonhei que andávamos vestidos de noivos numa feira da ladra.

:-)

Nos últimos dias, várias vezes esta conversa, vinda ora de um ora de outro:
"Estás nervoso?"
"Por acaso nao. Estou feliz."
"Também eu."

Caça ao brinde

Tenho um colega que é louco por brindes. Disse-me para levar a certidao de casamento para a lua de mel, que dá descontos, flores à borla, upgrade do quarto de hotel...
Há quem se lembre de cada uma.

10.3.11

A cor inacreditável desta nascente


E a temperatura uns graus abaixo do Agroal:
Photos Martin Brorder.

Mosteiro de Rila

Chegámos a meio da tarde, com muitos outros turistas. Dentro do mosteiro, uma agitacao. Muita gente no páteo, peregrinos e turistas. Crianças vestidas de anjinhos. As búlgaras outra vez impiedosas dos seus saltos altos, apesar das subidas e da calçada. Dentro da igreja, forma-se uma fila de gente que faz a volta de todos os ícones. Em frente a cada um, tocam-lhe antes de se benzerem. Faço a mesma volta. Demoro tempo a mais em frente a um dos ícones, o monge que está a vigiar manda-me avançar. Ao cair da tarde, desaparece quase toda a gente, esperamos com algumas outras pessoas a nossa vez no escritorio do monge que organiza as dormidas para peregrinos. O monge instrui-nos sobre qual a quantia que devemos doar ao mosteiro; oficialmente nao sao autorizados a cobrar dinheiro por dormidas. Calha-nos um quarto dos antigos, lindo com tectos pintados.

O sol põe-se entre as montanhas ainda com neve e um ar frio desce e refresca-nos do calor do dia. Mas nada mexe. Nada se ouve. So silêncio. E contemplação. Sentamo-nos quase sem falar nos degraus de madeira que dão acesso ao nosso quarto, numa varanda do segundo andar. E aí jantamos os dois o pao, a lata de sardinhas e o vinho que trouxémos.


Fotos Martin Brorder.

5.3.11

"Uma imensa cancao do despeito"

Excertos de um artigo na Visao (10-Fev-2011) sobre a peca de teatro com o mesmo nome, da Catala Angélica Liddell, que nao vi, infelizmente.

"As palavras estao escritas numa folha a4 e a menina lê-as com a entoacao hesitante de quem aprendeu recentemente a juntar as letras. «Nao ha montanha, nem selva, nem deserto, que nos livre do mal que os outros preparam para nós.» A voz é inocente, as palavras brutais. Dobra o papel e atravessa o palco num aviaozinho cor-de-rosa, com rodas, ao som da cancao mexicana El Corrido de Chihuahua. Está declarado o tom do espectaculo que se segue, La Casa de la Fuerza. (...) Sao uma especie de profecia aquelas palavras, um aviso de que nao é possivel estar tranquilo. A partir dali nao havera mais lugar para o cor-de-rosa, para a inocencia, ou para as cantigas singelas. Durante as cinco horas seguidas, a sala será inundada de dor. Uma dor infinita e insuportavel, vivida por Lidell no fim de uma relacao amorosa, vivida pelas outras actrizes em palco, vivida por todas as mulheres da cidade de Juarez, vivida - afinal- por todas as mulheres do mundo."

mais adiante, Liddell: "Tenho uma inclinacao, nao sei se genética, se por educacao, para que todo o mal me salte a vista. E funciono por indignacao, falo do que me indigna e normalmente sao coisas horriveis. A indignacao permite-me pensar, o odio, o rancor, os ressentimentos permitem-me pensar. Nao pertencemos ao mundo dos santos e, as vezes, precisamos de falar com a voz mais obscura, Para enfrentar os outros que a silenciam. A sociedade funciona por hipocrisia, por pactos sociais em que ocultamos a nossa pior parte. Ao trabalhar com os meus piores sentimentos, falo dos maus sentimentos dos outros. (...) para mim teatro é uma forma de sobrevivência. Faco-o para nao me dar um tiro. Se nao fosse o teatro e a possibilidade de expressar os meus sentimentos de todas as maneiras possiveis, creio que nao estaria viva. Sinceramente. Nao poderia suporta-lo. Nao me cura, nao sana a incapacidade de enfrentar o mundo, mas permite-me suportá-lo. Para mim a vida é uma sobrevivencia continua."

E agora a parte mais bonita, Liddell: "A beleza é uma forma de justica, quando ja nao existe justica possivel, é uma forma de alívio, quando já nada no mundo te alivia."

Isto é um grito contra a sociedade happy-go-lucky, porque o feio, o mau, o desespero, o medo, a dor, os "maus sentimentos" como Liddell lhes chama, fazem parte da vida. E aceitá-los é libertador. É uma forma de respeito.

E pensando no que me ajuda a mim a suportar. Sao as pessoas que amo e o sentimento de estar em casa quando estou com essas pessoas. E ocasionalmente uma ou outra pequena surpresa que me faz pensar que tudo o que doeu até aquele momento valeu a pena para poder viver aquilo. Esses sao momentos de reconciliacao.

25.2.11

Back to the Future

espectacular

via Caderno Vermelho.

4.2.11

Hoje precisava de post its, agrafos e pastas e fui ao senhor que nos distribui material de escritório. Nao sei como o senhor se chama. Só sei que se senta numa salinha ao fundo do corredor, onde guarda um armário cheio de tralhinhas. Vamos lá, escolhemos o que queremos e preenchemos tudo num formulário: o nosso nome, o que levamos e o código do nosso departamento para as contas.

Depois de ter levado o meu tempo a escolher bem as cores de post its que queria, levantei os olhos do formulário quando o senhor me disse com um tom de voz que infelizmente conheco que a mulher estava doente. É aquele tom de voz que se usa quando nao é nem constipacao, nem alergia, nem mesmo uma perna partida. É aquele tom de voz que se usa quando até de dizer o nome da doenca se tem medo. E ele nao o disse, só me disse a primeira letra. Eu nunca tinha falado com o senhor. Ele estava desorientado. Que já pensava que estivesse curado, já nao era a primeira vez. Mas agora tinham-no descoberto noutros sítios.

E eu a dizer para esperarmos o melhor. Eu a dizer que ía correr tudo bem. Mas a pensar que nao ía. Eu a saber que nao ía. Que provavelmente nao. E depois desta conversa, o absurdo de ter que escrever no formulário quantos post its levava.

26.1.11

"Menina, apanhas uma doenca que te rapas"

Dizia-me a Mae quando nao queria comer.

25.1.11

Vinha a caminho de casa e vi um lobo do mar. Vinha enfiado num casaco escuro, golas levantadas. Tinha a pele curtida, cabelo e bigode grisalho e fumava tabaco enrolado através de uma boquilha. Caminhava no passeio da rua que é de calcada escura e quando chove torna-se escorregadia. Tinha as maos amarelas e olhos que viram muito. E escondia-se do vento frio atrás das golas do casaco.

8.1.11

sábado

vem o Steffen e traz pao para o pequeno almoco. Hoje está sol! Mudamos a mesa na cozinha para estarmos de caras ao sol. Vemos fotografias de Portugal e ouvimos deutsche funk. A seguir ao pequeno almoco, vamos à loja de coisas em segunda mao, sempre um bom programa de sábado. Apreco uma bicicleta velha, que pelo preco tem que me mudar os pneus. Nada, ele é intransigente. Que a bicicleta tem garantia de nao ser roubada, que ele também tem que ganhar algum. Vende velharias como antiguidades. Uma questao de ponto de vista. O Steffen também nao tem sorte com uma mesa de latao, "as antiguidades valem o que as pessoas estiverem dispostas a pagar por elas". No fim, prefiro pelo mesmo preco uma bicicleta velha boa do que uma nova chinesa. E o Steffen prefere uma mesa de latao dos anos 30 a uma de platex do ikea. A vida burguesa numa cidade de província alema tem o seu encanto.

4.1.11

Cor

A casa é velha e os canos de cobre do aquecimento passeiam junto ao roda-pé. De vez em quando desaparecem para dentro da parede, sobem e descem, encontram-se com outros, uns frios outros quentes, uns vêm outros vão. Pintámos os canos de amarelo forte, quase torrado, amarelo sol. Na cozinha pintámos riscas largas verde escuro, quatro riscas verde muito escuro, do chao até ao tecto. Por trás das prateleiras brancas. Parece Sao Martinho. Por mim desatava a pintar mais riscas pela casa toda. Amarelas na parede da janela. Ele nao deixa, que gosta de Sao Martinho mas que nao exageremos. Ainda nao sabemos o que fazer com a parede da janela. Ainda nao desisti das riscas. A felicidade que dao 4 riscas meias direitas na parede da cozinha.