Sem dúvida que uma das memórias de Monchite é sonora. E é ligada a um momento do dia de que gosto muito, a manha. Gosto da luz da manha e gosto da sensacao de ter um dia inteiro pela frente. Quando em Monchite, de manha, se abriam as janelas, e imaginemos que era a janela do quarto onde dormia o avô Joao, entravam nao só a luz mas também os sons dos tractores de caixa aberta que desciam para a baixa. A janela do quarto do avô Joao dá para um vale apertado - onde no inverno corre uma ribeira onde se apanham sapos e, diz a lenda, cágados. O que interessa é que esse vale pega nos sons da baixa, concentra-os e envia-os directamente para a janela do avô. E eu estou lá, mao em concha na orelha, nariz frio, a apanhá-los a todos, antes de me chamarem para ir para a escola em Tomar.
O avô Joao dormia no segundo melhor quarto da casa, a seguir ao dos pais, e abria a janela TODAS as manhas, quer fosse Verao ou Inverno. Quando o avô se deitava, a mae sentava-se na beira da sua cama e ali tinham conversas que me pareciam ser meio em surdina e durar horas. Nos dias em que o avô lá estava, em vez de tomarmos o pequeno almoco a correr, sentavamo-nos à mesa que já tinha sido posta pelo avô antes de descermos. E nas noites de Verao, a seguir ao jantar, eu dava passeios com o avô, de chapéu e bengala, até à capela e, nesses passeios, o avô ensinava-me a apanhar grilos dos seus buracos com uma palha e muita paciência.
Tao bom que é lembrar.
(ao andré, obrigada pela dica)